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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Um Outro Lado Da Terapia Gênica

Terapias experimentais podem deixar lições amargas

Há dez anos fracassou completamente a possibilidade de usar genes normais para curar defeitos congênitos, quando Jesse Gelsinger, jovem de 18 anos de Tucson, Arizona, morreu de falência múltipla dos órgãos durante uma terapia genética experimental na University of Pennsylvania (normalmente chamada de Penn). Hoje a sala de reunião do Laboratório de Pesquisas Translacionais da universidade está repleta de objetos que lembram aquela experiência. Exemplares do livro intitulado Construindo a Confiança Pública e Biossegurança no Laboratório são encontrados nas prateleiras e no quadro branco está escrito “IL-6” e “TNF-α”, abreviações que representam alguns dos fatores imunológicos que ficaram fora de controle no corpo de Gelsinger.

Essas alusões ao passado não surpreendem, considerando que a experimentação clínica mudou drasticamente a terapia genética e, em particular, a vida de James M. Wilson, médico geneticista que chefiava o Instituto para Terapia Genética Humana da University of Pennsylvania, responsável pelo teste. A Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) proibiu a realização de experimentos com seres humanos e Wilson deixou seu posto no instituto, hoje extinto, embora tenha continuado a fazer pesquisa na Penn. Ele evitou aparecer em público até 2005, quando foi autorizado a fazer testes clínicos sob a supervisão de um pesquisador designado pela FDA, pois ficou impedido de chefiar experimentos por cinco anos. A agência também solicitou que escrevesse um artigo ─ publicado, em abril, na Molecular Genetics and Metabolism ─ sobre as lições aprendidas. Desde então começou a fazer palestras em universidades sobre a importância do exercício cuidadoso das ciências médicas, particularmente quando se trata de terapia com células-tronco, que hoje substituiu a terapia genética.

O tom de Wilson, ao discorrer sobre os fatos de 1999, mostra que o assunto ainda é doloroso. “Não teria prosseguido com os testes se soubesse o que sei hoje”, observa. Nos anos 1990, cientistas como ele estavam muito envolvidos com as perspectivas da terapia genética para perceber que seus conhecimentos sobre o assunto não eram suficientes para obter sucesso com seres humanos. “Fomos seduzidos pela simplicidade do conceito: coloca-se o gene lá e pronto.”

A experiência realizada testava uma terapia para deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC, na sigla em inglês), doença rara em que falta no fígado uma cópia funcional do gene OTC. Esse defeito impede o corpo de eliminar amônia, derivado tóxico resultante do metabolismo de proteínas. Os cientistas da Penn desenvolveram um adenovírus (vírus do resfriado) enfraquecido para transportar uma cópia normal do OTC para o fígado.

Dezessete pacientes passaram pelo tratamento antes de Gelsinger, integrante do grupo que recebia a dose mais alta da terapia. Muitos cientistas, bem como a FDA, questionaram por que Gelsinger estava sendo tratado, uma vez que diversos pacientes de outros grupos já haviam sofrido sérias reações hepáticas. Wilson alega que “esse tipo de toxicidade era esperada”, com base nos experimentos feitos em animais, e acreditava que a experiência estava sob controle. De acordo com Mark Batshaw, diretor do Instituto de Pesquisa da Criança do Centro Médico Nacional da Criança, em Washington, D.C., Wilson e demais membros da comunidade científica tiveram de aprender da maneira mais difícil “que os resultados obtidos com animais não predizem necessariamente o que ocorrerá com seres humanos”. Batshaw também estava envolvido na experiência de 1999.

A FDA questionou a decisão de tratar Gelsinger também por outras razões. Pouco antes do início do tratamento, Gelsinger ─ que sofria de uma forma branda da doença ─ tinha altos níveis de amônia no sangue, indicando que o fígado não funcionava bem. Os níveis estavam dentro de valores aceitáveis quando ele se inscreveu para participar do teste, três meses antes, mas os cientistas prosseguiram assim mesmo. Wilson, responsável pelo protocolo e sua execução, admite que “no protocolo não ficava suficientemente claro que nível a amônia poderia atingir, e quando, o que era uma falha importante”.

Os altos níveis de amônia contribuíram para a morte de Gelsinger? Essa pergunta deixa Wilson pensativo durantes alguns instantes, antes de responder: “Bem, acho que não, mas em biologia as coisas raramente são provadas.” Ninguém sabe exatamente como o processo ocorreu. As funções do fígado de Gelsinger e sua resposta imunológica estavam relacionadas, no entanto. Hoje Wilson acredita que o jovem morreu de um fenômeno raro conhecido como aumento da dependência de anticorpos (ADE, na sigla em inglês). O rapaz pode ter sido exposto ao mesmo adenovírus no passado, o que fez com que seu corpo criasse anticorpos. Normalmente os anticorpos controlam um vírus que invade novamente o corpo, mas ocasionalmente provocam resposta imunológica perigosa. Wilson admite, no entanto, que não há como provar isso, porque não restou nenhuma amostra de sangue de Gelsinger coletada antes do tratamento.

Wilson observa que, se Gelsinger de fato morreu por causa de uma complicação rara e imprevisível, ele não pretende se esquivar da responsabilidade. “A universidade, a comunidade científica e as famílias que confiavam no nosso sucesso, ficaram desapontadas”, desabafa. “Sinceramente não encontro outra forma de dizer isso. Lamento muito, estou arrependido, sinto-me péssimo; Sinto muito.” A universidade pagou um valor, não divulgado, para encerrar um processo de morte por negligência, instaurado pela família de Gelsinger.

No artigo sobre “as lições aprendidas”, Wilson aconselha os pesquisadores a evitarem situações que possam acarretar problemas financeiros (em 1992 Wilson fundou uma empresa de biotecnologia dedicada à terapia genética). Ele também argumenta que os cientistas pesquisadores de terapias não devem ser os mesmos a fazer os testes em seres humanos. “Não se pode ser a pessoa que age em benefício do objeto da investigação”, comenta. E acrescenta que cientistas clínicos devem sempre se perguntar: “No pior cenário possível – não no provável ou potencial, mas no pior – isso seria aceitável?” Segundo ele, se tivesse feito a si mesmo essa pergunta, em 1999, não teria continuado.

Essa tem sido uma década difícil para a terapia genética, mas Wilson acredita que a perda de prestígio era inevitável. A morte de Gelsinger “foi certamente um acontecimento deflagrador”, afirma, mas “os astros estavam se alinhando e esse campo da ciência estava prestes a enfrentar tempos difíceis”. Embora alguns experimentos com terapia genética tenham tido certo sucesso, podem ter produzido reações adversas nos voluntários.

Apesar de tudo, Wilson não desistiu da área ─ está tentando torná-la mais segura. Desde 1999, subvencionado pela GlaxoSmithKline, seu laboratório identificou 120 novos vírus associados à adenovírus, que podem penetrar facilmente no sistema imunológico e introduzir genes terapêuticos com riscos menores, e os distribuiu para 700 pesquisadores de todo o mundo para mais estudos. Ele e outros esperam que casos como o de Jesse Gelsinger não se repitam.

Fonte: Scientific American

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